“- No meu tempo as coisas eram diferentes...”, se você já se pegou dizendo essa frase em algum momento, e se você joga card games desde essa “época”, é inegável que muita coisa mudou. Em tempos não muito distantes, a oferta de card games era escassa, o acesso aos produtos era limitado, as desenvolvedoras eram menos receptivas a novas ideias e as comunidades mantinham-se mais isoladas.
O que antes era apenas uma '
previsão' ou '
tendência' agora é uma realidade consolidada, impulsionada pela pressa das mudanças. Para ilustrar essa velocidade no fluxo das transformações atuais, de acordo com dados da
Visual Capitalist, o telefone demorou 50 anos para alcançar a marca de 50 milhões de consumidores; a eletricidade demorou 46 anos; a televisão demorou 22 anos; o computador demorou 14 anos; o celular demorou 12 anos; até a internet demorou 7 anos para alcançar 50 milhões de consumidor.
O Pokémon Go, em 2016, levou apenas 19 dias.
No cenário dos card games, o mercado já robusto cresceu ainda mais, com previsão de expansão nos próximos anos, influenciado pelas mudanças nos hábitos de consumo. No contexto do Mês do Consumidor, que teve sua data comemorada no último dia 15 de março, apresentamos uma série de reportagens com análises e entrevistas sobre esse mercado global, abordando tendências e padrões de consumo que se solidificaram.
E para aqueles que começaram a jogar card games recentemente, a oportunidade de usar essa frase pode surgir mais rápido do que se espera.
- Dados e Projeções sobre o Mercado Global de Card Games
De acordo com a pesquisa "Trading Card Game Market [2023-2030]”, divulgada pela empresa especializada Zion Market Research no segundo semestre de 2023, em termos de receita, o tamanho do mercado global de jogos de cartas foi avaliado em quase US$ 6,39 bilhões em 2022 e deve chegar a US$ 11,57 bilhões até 2030.
Ainda sobre esses dados, o mercado mundial de TCGs deve se expandir à taxa de crescimento anual composto (CAGR) de 7,69% durante o período previsto na pesquisa (2023-2030).
A pesquisa também ilustra os 12 maiores fabricantes:
• The Pokémon Company (Japão);
• Bandai (Japão);
• Hasbro (Estados Unidos);
• Bushiroad (Japão);
• Konami Holdings Corporation (Japão);
• Blizzard Entertainment (Estados Unidos);
• CyberAgent (Japão);
• Upper Deck Company (Estados Unidos);
• Riot Games (Estados Unidos);
• Fantasy Flight Games (Estados Unidos);
• Kyy Games (Estados Unidos);
• Legend Story Studios (Nova Zelândia);
Destas, as cinco maiores empresas – Hasbro, The Pokémon Company, Konami, Bushiroad e Bandai – detêm uma participação superior a 60% no mercado global.
Em relação às principais regiões que lideram o mercado de Trading Card Game, Estados Unidos, China e Japão são maiores consumidores mundiais de jogos de cartas. Na América do Sul, o Brasil lidera o mercado.
Confira a tabela:
• Na América do Norte: Estados Unidos, Canadá e México.
• Na Europa: Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Rússia e Turquia.
• Na Ásia-Pacífico: China, Japão, Coreia, Índia, Austrália, Indonésia, Tailândia, Filipinas, Malásia e Vietnã.
• Na América do Sul: Brasil, Argentina, Colômbia.
• No Oriente Médio e África: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Nigéria e África do Sul.
As descobertas desse estudo estão alinhadas com as projeções da Statista Market Insights, divulgadas em dezembro de 2023, sobre os cinco principais países em termos de receita (em milhões de dólares) gerada pelo mercado de card games até 2028. Essas projeções também destacam a França e a Alemanha, além dos três países mencionados anteriormente.
As pesquisas também proporcionam insights sobre as tendências de mercado, especialmente no que diz respeito ao consumo digital desses jogos.
● Digital Card Games (DCGs)
Conforme dados da
Zion Market Research (
2023), a pandemia de coronavírus fez o setor de games mobile em 2020 ter um crescimento de 26%, em relação a 2019, e um faturamento de
US$79,5 bilhões. Já a pesquisa da
Statista Market Insights (
2023) aponta que, em termos de jogadores, mais de 435 milhões de pessoas começaram a aderir a jogos digitais na pandemia.
Em nosso segmento de interesse, de acordo com o último relatório de pesquisa da consultoria
360 Market Updates de 2023 sobre o mercado global dos “
Digital Collectible Card Games”, o lucro da indústria deve sair da casa dos US$ 591.47 milhões em 2022 e atingir US$ 1.19 bilhões em 2028.
Nesse contexto, o mobile domina o cenário de card games digitais. De acordo com a Forbes (2018), mais de 70% das pessoas que jogam DCGs o fazem em seus telefones, menos da metade joga em seus PCs e cerca de um quarto joga em consoles. Em termos de fatia de mercado de dispositivos digitais, os jogos de cartas colecionáveis para smartphones detiveram uma participação de mercado de 43,9% em 2020 (Straits Research, 2021).
Apenas para exemplificar, conforme o estudo da Cognitive Market Research (2023), em janeiro de 2022, a contagem de jogadores ativos de Hearthstone estava entre 150.000 e 280.000.
Alguns elementos endossam este cenário, como: a facilidade de acesso (de instalar e desinstalar aplicativos); o baixo investimento de entrada no cenário competitivo dos card games digitais por parte dos jogadores; o aumentado do número de empresas do segmento que estão investindo em plataformas móveis; o crescente entusiasmo em relação às competições/premiações online; métricas de análise mais assertivas; melhor experiência do usuário em dispositivos móveis; possibilidades de implementação de mecânicas inovadoras, e etc.
Porém, o principal fator está relacionado ao crescente número de usuários de smartphones: Em janeiro de 2022, atingimos a marca de 4,95 bilhões de pessoas conectadas, o equivalente a 63% da população mundial. A média online diária do brasileiro é de 10 horas (Global Overview Report, 2022). Dispositivos móveis somam 91% do tempo de acesso à internet no Brasil (Tudo Celular, 2022).
Estas condições indicam que a tendência dos DCGs no mobile é aumentar cada vez mais, sobretudo quanto vemos os dados de crescimento em relação à receita offline para os próximos anos, conforme a tabela abaixo da Statista Market Insights (2023).
Por falar em tendências, o cenário possibilita enxergar também algumas mudanças no comportamento do consumidor. Trazendo para o contexto brasileiro, nas próximas partes desta série, conversamos com jogadores(as), lojistas e e criadores(as) de conteúdo para compreender melhor o fenômeno.
● As gerações do consumo social de card games
Se o card game é uma “desculpa” para reunir-se com seu círculo de amizades, saiba que você não está sozinho nisso. Mas antes de entrarmos nesse assunto, uma observação importante: Nas discussões sobre tendências de mercado, reconhecem-se dois aspectos principais. O primeiro é que os comportamentos de consumo das diferentes gerações exercem um grande impacto nas tendências de mercado. O segundo fato é que, a cada nova geração, os hábitos de consumo sofrem transformações em resposta às mudanças sociais.
O card game é social, sim!
Uma pesquisa realizada pela consultoria especializada
Newzoo (
2021) revelou que a
Geração Z e gerações mais jovens estão cada vez mais envolvidas com os aspectos sociais e comunitários dos jogos. O estudo, que contou com a participação de 72 mil entrevistados, mostrou que esses jogadores não apenas jogam e assistem seus criadores favoritos em sites de lives como
Twitch e
YouTube; como também:
• Usam jogos como um meio de socializar com seus amigos (jogar em si fica em segundo plano);
• Leem, assistem e consomem notícias do setor por meio de sites, aplicativos, redes sociais e podcasts;
• Discutem os acontecimentos com amigos, familiares e colegas (virtualmente e pessoalmente).
• Contribuem ativamente para discussões no Reddit, Discord e outras comunidades.
Os dados da pesquisa podem ser explicados por uma série de fatores, incluindo o aumento do uso das redes sociais e da internet, o desejo de se conectar com outras pessoas com interesses em comum e a busca por novas formas de entretenimento e interação.
Embora os dados sejam de 2021 e abranjam o mercado de jogos como um todo, a pesquisa “Consumer Insights Research” ainda é bastante atual em termos de comportamento de consumo e reflete uma tendência cada vez mais crescente no mercado de card games, que é a popularização do formato multiplayer com mais de 2 jogadores (três, quatro ou mais) se enfrentando em uma única partida.
Um exemplo do gênero é o Commander (antigo Elder Dragon Highlander - EDH), o atual formato de jogo mais popular de Magic: The Gathering. O Commander foi criado por jogadores e rapidamente caiu nas graças da comunidade, tornando-se um formato oficial em 2011 e evidenciando a força desta modalidade no cenário dos card games.
Para entender melhor alguns motivos para a popularidade do formato multiplayer, o Verso conversou com dois criadores de conteúdo e jogadores de Commander, o
Felipe Ribeiro (
@inspiramtg) e o
Luiz Júnior (
@incommander).
De início, os entrevistados concordam que um dos motivos da popularidade deste tipo de formato é sua sociabilidade. Os jogadores podem interagir uns com os outros durante a partida, o que pode tornar o jogo mais divertido. Para os criadores de conteúdo, fica evidente que esses jogadores usam os jogos (também) como um meio de estar com seus amigos.
De acordo com Luiz Júnior, idealizador do perfil @incommander, um dos pontos mais interessantes do formato é a possibilidade de “se juntar com mais três pessoas e simplesmente jogar o jogo para se divertir, sem a pressão de ganhar sempre”.
De forma parecida, Felipe Ribeiro, criador do @inspiramtg, alegou que embora exista o cenário competitivo de Commander, um dos fatores de sua popularidade se deve ao fato da comunidade ter abraçado seu caráter “for fun” (casual). “Com este formato, o Magic conseguiu trazer jogadores que queriam apenas se divertir, fugindo um pouco do cenário mais competitivo de jogo”, defendeu.
Os criadores de conteúdo também citaram como ponto positivo a variedade e a liberdade na criação de decks e estratégias de jogo. Somado a isso, Felipe Ribeiro explicou que o Commander é mais acessível e democrático, se comparado a outros formatos de Magic: The Gathering, de modo que é possível encontrar decks completos de R$ 50,00 reais ou menos (“ultra-budgets”). Também, Luiz Júnior acrescentou que por se tratar de um “formato eterno” (que não sofre rotações), isto garante que o jogador Commander não precise trocar de cartas a todo instante.
Por fim, os entrevistados também acreditam que esse formato de multiplayer pode ser mais desafiador que o tradicional em alguns aspectos, pois os jogadores precisam lidar com mais oponentes e considerar suas estratégias para vencer a partida. Isso pode tornar o jogo mais emocionante e gratificante.
Além disso, os dois argumentaram que esta modalidade de jogo também possui um “lado político”. Este lado político pode se ser visto nas alianças estratégicas, nos blefes em multinível e, como nos explicou Luiz, na forma de lidar com ameaças diferentes a cada rodada. “Commander é tipo Game of Thrones”, brincou Felipe.
Para aprofundar essa discussão e obter uma compreensão mais completa do fenômeno, também conversamos com aqueles que estão na linha de frente do mercado dos card games, os lojistas. Entrevistamos dois proprietários de lojas especializadas, ambas localizadas em São Paulo, sobre a crescente popularidade desses formatos sociais. A entrevista completa está disponível no
Instagram do Verso (
@verso.jcg), na seção "
Entrevista com o Lojista".
Verso: Como você percebe o impacto da popularidade dos formatos multiplayer com mais de 2 jogadores, como o Commander, no mercado de card games atualmente? Quais são os principais motivos pelos quais os jogadores estão se interessando por formatos multiplayer com mais de dois jogadores?
Entrevistado 1: “O formato multiplayer do Magic sempre foi e, provavelmente, continuará sendo a principal fonte de receita para qualquer loja que trabalhe com MTG. A popularidade é tão significativa que outros card games começaram a adotar esse mesmo formato, como o Buddy Battle do One Piece e o Pit Fight do Flesh & Blood. [...] Os aspectos sociais e a diversão sempre estão em destaque nesse sentido. A maioria da comunidade que participa de formatos multiplayer o faz para interagir com mais pessoas, jogar com amigos e prefere o ambiente casual ao invés do competitivo. [...] Como o formato multiplayer envolve 3 ou mais jogadores, isso também atrai mais pessoas para a loja. Os jogadores casuais geralmente passam mais tempo na loja do que os jogadores competitivos, então todos esses fatores contribuem positivamente para a loja”.
Entrevistado 2: “Acredito que esses formatos oferecem espaço para o público que não é tão voltado para a competição ou que busca principalmente se divertir. Apesar do card game ser um ambiente competitivo, onde a busca por novos decks e estratégias é intensa, ainda há espaço para dinâmicas multiplayer como o Commander Mesão, especialmente no Magic, onde há uma ampla variedade de cartas e estratégias disponíveis. [...] Essa popularidade afeta principalmente a oferta de novos produtos para um público muito mais amplo, o público casual. [...] Nos jogos multiplayer deste formato, os jogadores também têm a oportunidade de encontrar um ambiente mais acolhedor, jogar com amigos e pessoas diferentes no mesmo espaço, e a pressão por não cometer erros é muito menor, o que tende a atrair jogadores com menos experiência. A interatividade e a formação de alianças também contribuem para a diversão e transformam uma partida em uma experiência memorável. [...] O jogador casual não está tão preocupado com o metajogo, então acaba adquirindo cartas que geralmente têm menos demanda na loja. O formato multiplayer é geralmente amigável, facilitando a integração de novos jogadores ao ambiente da loja”.
Em diálogo com as falas dos entrevistados, por fim, apenas para ilustrar a crescente popularidade desse formato também em outros jogos de cartas, no final de 2023, os meios de comunicação especializados divulgaram um artigo relatando que o modo de jogo casual "Hydra de Duas Cabeças", inspirado em Magic: The Gathering, está ganhando destaque na comunidade de Disney Lorcana. Segundo as matérias, os jogadores veem na adaptação desse formato uma forma de manter a diversão do jogo, especialmente diante da escassez de cartas disponíveis.
Esse aspecto também abre espaço para discutir, na parte três desta série de reportagens, o impacto do poder de criação e da liberdade criativa que os jogadores contemporâneos possuem.
- O consumo de card games como meio de expressão e criação
Navegando pela linha do tempo da minha rede social, me deparo com um vídeo de um jogador de Magic: The Gathering exibindo com orgulho seu deck completamente personalizado com cartas de The Last of Us. No vídeo, ele apresenta as cartas originais e as compara com as versões alteradas tematicamente para demonstrar que os nomes, textos e custos de mana permanecem os mesmos. Ele explica que contratou um serviço de personalização para transformar suas cartas, colocando nelas o rosto de sua série favorita.
O card game é expressão, sim!
Sem entrarmos em debates sobre a validade de proxies, é reconhecido que os TCGs sempre foram um terreno fértil para a expressão pessoal e a customização.
A longa tradição de personalização de fichas (tokens) nos card games, no entanto, está passando por uma revolução impulsionada pela cultura digital. Além da expressão individual, a facilidade na produção e impressão, a ampla variedade de opções de design e o destaque oferecido a artistas e criadores de conteúdo estão moldando uma nova era na personalização de tokens.
Para entender melhor o assunto, o
Verso entrevistou os criadores de conteúdo e entusiastas no assunto:
Diego Paduam (
@empadinhanerd) e
Heloïse Sanchez (
@helo.magic.tcg).
Os entrevistados destacam que a customização oferece uma oportunidade para os jogadores demonstrarem sua criatividade, individualidade, conexão pessoal com o jogo e até mesmo uma espécie de “status” de exclusividade, tornando a experiência ainda mais rica e diversificada, possibilitando também “colocar nestas artes sua ideia de como o deck vai funcionar ou como as criaturas deveriam parecer, ao seu modo”, ressalta Diego.
“Além disso as fichas são uma ótima maneira de mostrar os interesses pessoais de cada jogador, além de deixar as partidas mais leves e fofas”, complementa Helô, como também é conhecida. Seu papel nos jogos é deixar a mesa mais bonita e personalizada, como exemplifica Diego ao mencionar um conhecido que joga com um deck em que todas as fichas “foram desenhadas pelo filho dele de 8 anos. As fichas são lindas”.
Também vale ressaltar que as alternativas são muitas, como argumenta Helô: Seja através de fichas em branco, desenhando-as no momento do jogo, sejam adquirindo fichas prontas personalizadas em lojas especializadas, seja personalizando suas próprias fichas em gráficas, ou mesmo utilizando outros objetos para representar criativamente as fichas, como pedrinhas, por exemplo. “Tudo isso mostra um pouco da personalidade do jogador e não deixa o jogo tão “engessado’”, ressaltou.
Adiante, continuamos abordando como esse vasto e inovador cenário afeta a maneira como os jogadores e até os criadores de conteúdo criam e utilizam seus tokens.
É fundamental notar que os criadores de conteúdo também visualizam nos tokens personalizados oportunidades para fortalecer sua marca, envolver sua audiência, construir comunidades, fidelizar seguidores e incentivar – como produtos promocionais – parcerias e colaborações.
Nessa linha,
Heloïse Sanchez nos conta sobre sua experiência: “
Quando entrei no mundo dos criadores de conteúdo, vi que a Lumi (luminovinha) tinha algumas fichas feitas por ela, achei super bonitas, ainda mais com o brilho, e comecei a pensar que poderia ter interessante ter as minhas também”.
Como os criadores de conteúdo estão sempre jogando em várias lojas, destaca Helô, os tokens são uma forma interessante de divulgar seu trabalho. “Tenho o costume de dar uma ficha personalizada para todo mundo que jogo contra. Nisso a pessoa já abre um sorriso e fala que vai dar uma olhada na página. Então acaba servindo como meio de divulgação, assim como dando um pequeno mimo para quem você jogou”.
Diego Paduam também relata um percurso parecido: “Quando eu criei a página, quis deixar de forma mais bonita e usar os tokens para ‘premiar’ os seguidores em caso de sorteio ou eventos”. De acordo com ele, é um marketing diferenciado e capaz atingir uma grande quantidade de pessoas.
“Eu mesmo,” – continua ele – “quando vejo um token bonito e diferente na mesa, já pergunto onde a pessoa conseguiu e como eu faço para ter um daquele. E se tiver o @ de quem criou, eu vou atrás”. O sucesso foi tão notável que Diego ilustra que, durante o primeiro “mesão” com seus seguidores, a empolgação gerada pelas fichas foi tão expressiva que ele prosseguiu com a criação de novos tokens desde então.
Por fim, os entrevistados destacam que embora os tokens personalizados não afetem diretamente na experiência do jogo, sua simples presença já traz um clima mais descontraído na mesa. “Acho que as fichas podem inclusive ser um meio para quebrar o gelo e começar uma conversa com aquela pessoa que você não conhece”, ressalta Helô.
- Um breve parênteses sobre as transformações no marketing de influência e criação de conteúdo no segmento dos TCGs
É importante observar outra tendência relacionada a esta, que é o aumento no número de criadores de conteúdo e influenciadores digitais no segmento dos card games, e seu impacto nas práticas de consumo e na formação de comunidades - dois fatores valiosos para o mercado de TCG.
O mercado de marketing de influência atingiu cerca de US$ 13,8 bilhões em 2021 (Influencer Marketing Hub, 2022). Além disso, o panorama coloca o Brasil na primeira posição do ranking de países com consumidores mais influenciados na hora de tomar sua decisão de compra (Mundo Marketing, 2023).
Embora estejamos familiarizados com esse cenário, uma mudança nas práticas do mercado de influenciadores também está se expandindo para o universo dos card games: muitas marcas estão optando por fazer parcerias com nano (até 10 mil seguidores) e micro influenciadores (até 50 mil seguidores). Um relatório recente revelou que 40% das marcas que utilizam o marketing de influência optaram por colaborar com um micro ou nano influenciador, em vez de um influenciador tradicional (Socialbaker / Exploding Topics, 2022).
Essa abordagem, embora possa parecer contraintuitiva à primeira vista, oferece uma série de vantagens valiosas, como por exemplo:
• Contato e contratos mais acessíveis;
• Segmentação precisa;
• Diversidade de abordagens criativas em decorrência da variedade de perfis;
• Taxa de engajamento mais alta;
• Maior credibilidade junto a audiência; e
• Maior percepção de autenticidade.
No universo dos card games, essa influência não é exceção, mas uma realidade ainda mais proeminente. A paixão e o conhecimento desses influenciadores se alinham perfeitamente com a dedicação e a profundidade da comunidade de jogadores. A personalização, como a essência da identidade dos conteúdos que produzem, estão além de um mecanismo de expressão, tornando-se também uma valiosa ferramenta de identificação.
- As causas sociais e o card game
Magic: The Gathering tem uma comunidade ativa no Brasil que vem se destacando nos últimos anos por seu engajamento. Um exemplo recente disso, é a grande movimentação que os jogadores brasileiros continuam fazendo nas redes sociais da Wizards of the Coast após a desenvolvedora comunicar o fim da produção dos seus produtos físicos no idioma português.
Embora isso se configure também como uma tendência, visto que hoje os consumidores quebram a passividade do consumo e se tornam também sujeitos com voz ativa nos espaços digitais, um ponto que chama atenção é o aumento significativo no engajamento das comunidades de card games em causas sociais.
Esse fenômeno é impulsionado por diversos fatores, incluindo a crescente conscientização sobre essas questões, bem como a disposição das comunidades a se unirem para causar um impacto positivo.
O card game é solidário, sim!
Uma das formas principais pelas quais as comunidades de card games têm se engajado em causas sociais é por meio de eventos de caridade e arrecadações de fundos. Sobre esse tema, conversamos com a criadora de conteúdo e jogadora
Leticia Scupinari, conhecida como
Lele (
@magic.lele), juntamente com os criadores de conteúdo e jogadores
Gabriel Gandolfo (
@mtgforadecontexto) e
Pedro Velloso (
@gatherertcg). Em parceria com outros jogadores e lojistas, eles organizaram diversas ações sociais na comunidade de Magic: The Gathering ao longo de 2023. Destacam-se o "
MTG Beneficente", realizado em novembro, e o "
Natal Solidário", ocorrido em dezembro.

Sobre o primeiro evento, em entrevista ao Verso, Gabriel e Lele contam que a ideia de organizar uma ação beneficente surgiu de uma conversa casual entre eles. A conversa evoluiu para uma proposta de unir os jogadores em torno de prol do bem social. “Assim que contamos o que estávamos idealizando, o pessoal animou e contribuiu com diversas ideias”, destacam. “Ficamos alguns meses idealizando como poderíamos fazer o evento e agora em novembro teremos a nossa primeira edição”.
Gabriel e Lele também avaliam que a comunidade de MTG é bastante receptiva a eventos beneficentes, tendo acompanhado, nos últimos meses, o crescimento de ações semelhantes. “A nossa ideia é fazer esse tipo de evento de forma recorrente, sempre em uma loja diferente e ajudando diferentes causas sociais”, ressaltam.
O engajamento dos jogadores nessas causas é um reflexo da tendência de comportamento de consumo social muito mais consciente, conforme mencionado. As comunidades estão cada vez mais preocupados com o impacto social de suas escolhas, e estão dispostas a apoiar quem compartilha de seus valores, segundo avaliam os entrevistados: “É muito gratificante poder contar com essa comunidade que vê o Magic não só como um card game, mas também como uma oportunidade para ajudar e acolher o próximo”.
Após o sucesso do evento anterior, uma nova edição de fim de ano ocorreu em 2 de dezembro de 2023, ainda maior, com a arrecadação de mais de 350 kg de alimentos. "Já tínhamos em mente fazer uma série de atividades beneficentes em prol da comunidade usando nossa base de Magic como apoio", comentam Pedro e Lele. O resultado positivo na edição anterior, complementam, “superou nossas expectativas e confirmou o quanto a comunidade é movida pelo Gathering".
Nesse sentido, ambos concordam que o ponto central está na união e receptividade da comunidade: “Estamos sendo apoiados e encorajados a trazer eventos cada vez mais elaborados. Vamos aproveitar esse apoio para mover ações que ajudem cada vez mais pessoas!". A dupla adiciona também que é gratificante ver outros grupos e lojas aderindo ao formato e promovendo atividades beneficentes.
Para o futuro, Letícia e Pedro manifestam o desejo de expandir as causas sociais contempladas. Por fim, a dupla argumenta que "quanto mais pessoas estiverem conosco, mais poderemos ajudar" e destaca a importância de que esses retornos "estejam alinhados com o apoio e carinho que estamos recebendo". Além de promover a integração e a solidariedade entre os jogadores em torno de um objetivo comum, esses eventos são exemplos de como estas comunidades podem se unir para contribuir com a sociedade de forma significativa.
Outra iniciativa que também merece destaque é a campanha "Natal Mágico", do fundador e apresentador do canal UMotivo, André Manenti (@andremanentii). Este evento, que teve seu início em 2014, visa angariar fundos para instituições carentes, trazendo à tona o espírito de generosidade durante a temporada festiva.
O "Natal Mágico" surgiu a partir da doação de um inscrito, que presenteou André com uma carta valiosa de Magic: The Gathering. Em vez de guardá-la para si, ele optou por leiloar o item, doando o montante arrecadado a um asilo. Esse ato altruísta inspirou uma série de campanhas anuais:
• Em 2015, arrecadou doações para um asilo em Criciúma-SC.
• Em 2016, destinou recursos ao orfanato Associação Beneficente Nossa Casa.
• Em 2017, colaborou com o SOS Vira-Lata.
• Em 2018, contribuiu para uma ONG de proteção a crianças em risco em Florianópolis-SC.
• Em 2019, plantou 320 árvores pelo Instituto SOS Mata Atlântica.
• Em 2020, apoiou a CUFA, doando para famílias afetadas pela crise do coronavírus, e a APAE, destinando fundos para a causa.
• Em 2021, repetiu a doação para a CUFA.
• No ano de 2022, a campanha alcançou a impressionante marca de R$27.000,00, doados integralmente para a Associação de Amigos do Autista (AMA).
No ano de 2023,
André direcionou esforços para o
Projeto Cura, voltado para a pesquisa contra o câncer. Sua maratona beneficente teve duração de 13 horas de transmissão ao vivo no seu canal da
Twitch (
twitch.tv/umotivomtg) e arrecadou mais de
R$46 mil reais.
Em entrevista concedida ao Verso, André discute as razões no êxito do projeto, observando que o crescimento orgânico do canal tem aumentado a conscientização sobre a iniciativa. Além disso, ele observa que várias empresas e lojas do segmento têm se envolvido cada vez mais no apoio a esta causa social, incluindo a LigaMagic, mencionada por ele.
A credibilidade também é destacada por André como um elemento crucial ao apoiar tais iniciativas, especialmente dado o histórico de quase uma década do projeto. Ele salienta que as pessoas confiam no destino dos fundos doados, dada a reputação consolidada ao longo dos anos. “As pessoas sabem que o dinheiro doado está indo para um lugar confiável”, comenta.
O entrevistado também destaca a conveniência dos métodos de doação disponíveis atualmente. "Outro ponto importante é a facilidade de apoio nos dias de hoje. Aceitamos diversos tipos de apoio, como o PIX, por exemplo, que é uma forma muito prática, e muitas das doações chegam por meio dele".
Enquanto ressalta a solidariedade da comunidade, André reafirma seu interesse em sustentar a iniciativa a longo prazo para o próximo ano: "Eu pretendo continuar realizando projetos sociais, como o Natal Mágico, ou quaisquer outros que surjam no caminho. Faz muito bem ajudar o próximo, e eu percebo que a comunidade de Magic é muito boa em se juntar para isso, então foi o casamento perfeito".
À medida que mais pessoas se unem em torno dessas iniciativas sociais e da paixão compartilhada pelo jogo, vemos uma oportunidade única de promover a solidariedade e o apoio em prol de causas relevantes. Assim como todas as tendências positivas destacadas ao longo desta reportagem, o envolvimento crescente na comunidade de card games é uma tendência promissora que esperamos que se fortaleça ainda mais no futuro.
Esse artigo é mais um oferecimento da
Verso JCG e vocês podem conhecer mais do trabalho deles no
Instagram clicando
AQUI.