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Um Conto de Kaladesh - inexistência
Você viveria plenamente se soubesse, exatamente, quanto tempo de vida lhe resta?
29/12/2018 10:05 - 3.812 visualizações - 13 comentários
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UM CONTO DE KALADESH

 

INEXISTÊNCIA


 

Você viveria plenamente se soubesse, exatamente, quanto tempo de vida lhe resta?

 

Eu sempre soube e nem por isso consegui viver a vida que desejava... até agora.

Nós somos os filhos do Éter. Nascidos como subproduto do processo de refinamento do éter. Quando Avaati Vya, renomada eterologista, quebrou o código do éter, ela não fazia ideia de que, além de conceder acesso ao poder do éter para o povo, estaria concedendo uma dádiva extra a Kaladesh: os etergênitos.

 

 

Após a iniciação do processo de refinamento do éter, os primeiros etergênitos surgiram. Eles acreditavam que haviam nos inventado – que piada – sendo que nós inventamos a nós mesmos. O Grande Boom (a era de refinamento do éter) começou, cada invenção desencadeou um processo, dividido em cinco estágios, chamado de Ciclo do Éter.

Inspirar — Artesãos observam padrões na natureza moldada pelo éter e encontram a inspiração para um novo dispositivo.

Inovar — Inventores brilhantes aprimoram e refinam o projeto desse dispositivo.

Construir — Depois que o projeto está completo, os fabricantes constroem o dispositivo, infundem-no com o éter e cuidam da sua manutenção durante toda sua vida útil.

Liberar — Quando um dispositivo atingiu o fim de sua utilidade, ele é desmontado, e o éter destilado dentro dele é liberado.

Recuperar — Finalmente, o éter se recombina com o produto secundário do refinamento, e retorna à eterosfera.

Eu realizava todos esses processos em meu próprio corpo. Como um filho do éter, estou sempre em constante fluxo, sempre me movendo em direção a uma forma que possa ser reciclada de volta à eterosfera.

“Do éter surgimos e ao éter voltaremos.”

Eu sabia exatamente quanto tempo de vida possuía: sessenta dias. Todos os etergênitos são atraídos à vida como mariposas ao redor das lanternas de Ghirapur. Queremos viver a vida e saborear toda sua essência e plenitude de uma forma única e luxuosa. Mas algo em mim era diferente. Eu também sentia a ânsia em experimentar tudo da vida: dançar, rir e cantar. Todavia, algo me levava à busca por um significado maior.

Algo martelava em minha mente e eu sabia, sabia exatamente quanto tempo tinha... eu sabia exatamente...

Os etergênitos nascem com uma dádiva (ou maldição) que chamamos de “Ressonância Empática”. Temos a capacidade de perceber com precisão o estado emocional dos seres ao nosso redor.

Deve ter sido isso o que me corrompeu.

Em cada festa, baile e comemoração sempre havia o sentimento de insatisfação. Estranhamente, os seres orgânicos não se contentam com a vida que têm. Uma corrida nunca é emocionante o suficiente. Uma criação nunca é perfeita. Um dispositivo nunca está completo. A vida orgânica é repleta de insatisfações, detalhes incompletos, e isso os torna amargos.

Eu sentia...

Sentia a inveja porque o autômato não fora elogiado na Feira dos Inventores. Sentia a frustração por não ter tido aquela ideia primeiro. Sentia cada mazela mundana.

 

 

Como são tolos os seres orgânicos.

Ao invés de serem como nós, que vivemos plenamente cada minuto de vida, se desgastavam em preocupações ínfimas, brigas e discussões monótonas. E eles nem sabem quanto tempo têm de vida! Como conseguem ser tão tolos ao ponto de se dedicarem a essas coisas sem nem saber se estariam vivos no outro dia?

O que os levava a esse ímpeto destrutivo sendo que não há garantias. A vida deles é um vai e vem contínuo cuja única certeza é a escuridão.

Sim, deve ter sido esse sentimento que me corrompeu.

A insatisfação mundana me moldou. As celebrações sociais noturnas já não me satisfaziam como antes. Eu desejava sentir esse sentimento de “incompleto”, de que algo sempre estava faltando, de que precisava realizar alguma coisa. Nós, etergênitos, desfrutamos das alegrias e companhias noturnas. Cada comemoração é um banquete da vida que apreciamos até o fim, mas eu andava inquieto. E isso me incomodava, afinal eu não tinha muito tempo de vida para gastar com preocupações simplórias como essas.

Ainda assim, eu precisava descobrir. Porém, como descobriria isso se me restavam apenas alguns dias?

Como era de praxe, todo etergênito tinha direito a um Penúltima Festa. Era nosso direito de nascimento. Mas eu queria me perpetuar, queria conhecer e experimentar algo além do júbilo. No limiar da vida, a decisão que me vinha à mente era terrivelmente assombrosa: para viver eu deveria roubar a vida de outros. Mas eu não queria isso. Não tinha que ser assim.

Que tipo de vida se subsiste sobre a morte de outra?

Essa não seria a minha, mas eu não tinha muito tempo, então, eu tive que tomar uma decisão brusca: faltar à minha Penúltima Festa e ir para o mercado noturno.

Vidas curtas levam a escolhas proibidas.

Eu me recusava a aceitar a decomposição do meu ser. Não até que me sentisse completo outra vez. Que espécie de fim seria esse em que eu não estaria totalmente completo em meu ser?

Não poderia partir até saber que tinha experimentado o que procurava. Não. Não era essa a morte que merecia. Havia algo mais. Meus amigos e companheiros ficariam loucos de raiva. A Penúltima Festa era um ritual quase que sagrado para nós. Era algo extremamente rude cancelá-la, mas agora essas eram minhas menores preocupações.

Meu corpo estava se desfazendo. Eu sentia o éter sair pelas articulações enquanto caminhava para o mercado ilícito de Kaladesh, o mercado noturno. Nos barulhos da noite, eu escutava os gremlins subindo paredes, derrubando entulhos nas ruas escuras enquanto seguiam meu rastro. Como abutres, eles estavam apenas esperando por mim, mas eu ainda tinha tempo. Quanto tempo? Quatro horas bastariam.

No mercado noturno, se você souber a quem perguntar, você pode encontrar o que procura a qualquer hora da noite.

Uma fonte me disse para procurar o Clube Prakhata, pois lá haveria pessoas que poderiam me ajudar. Pessoas com recursos e influência. Eu encontrei o clube, mas o segurança estava com cara de que não deixaria ninguém entrar. Ele também era um etergênito, com corpo um musculoso e moldado para luta. Provavelmente havia se tornado o capanga de algum sindicato do crime.

Imagino que as conversas entre etergênitos saudáveis devem parecer rápidas para padrões orgânicos. Uma compreensão empática inata leva as discussões a serem mais sobre por que alguém está sentindo algo, versus como. Pouco tempo é desperdiçado, e a língua não é terrivelmente poética. Poesia é para pessoas que têm de explicar o que não podem dizer.

“Preciso entrar.”

“Você tem cheiro de desespero. Infelizmente, o clube está fechado.”

Ele sabia que meu tempo se aproximava.

“Estou procurando alguém para me consertar. Aí dentro deve haver alguém.”

“O clube está fechado. Se sobreviver, venha outra noite.”

Ele não se importava e não me deixaria passar. O clube estava fechado para duas pessoas ilustres. Descobri depois que houve um encontro do senhor do crime, Gonti, e outra autoridade de Kaladesh naquela noite.

Tudo bem, eu ainda tinha tempo.

Continuei minha caminhada pelas ruas sinuosas e pouco iluminadas do mercado. Vez ou outra, policiais passavam correndo, em sua vã tentativa de encontrar mercadores e algum acesso ao mercado noturno, mas o sindicato do crime sempre mantém vigias prontos a impedir que as autoridades se aproximem demais.

Escutei um baque.

O que foi aquilo?

Um pedaço do braço caía sobre o lixo. É estranha a sensação do fim iminente. Ao mesmo tempo que quero que ele chegue, eu desejo lutar contra. Não posso morrer assim. Ainda falta alguma coisa. Enquanto divago, me apoiando pelos muros, escuto um som. Parecia um zunido. Gremlins? Não, era um som rápido, trazido pelo vento da noite.

De repente, diante de mim estavam vários tópteros. Eles voavam como abelhas em busca do pólen, zunindo ao meu redor. Sem saber ao certo o porquê, tentei correr, mas foi inútil. Eles emitiram uma espécie de arco voltaico. Eu senti a energia percorrer meu corpo. Um choque e fui ao chão. Tentei me reerguer. O tempo estava acabando e não sabia por que essas coisas estavam atrás de mim. Outro estalo e meu corpo recebeu outra onda de energia paralisante.

 

 

Eu caí e por um minuto, o mundo foi envolto pela escuridão.

Seria essa a sensação da inexistência? Vácuo? Sem consciência? Não, não, não... não havia chegado meu tempo ainda. Tempo? Eu ainda estava aqui. Tempo? Tempo? Quando percebi, fiquei confuso. Mais cinco dias?! Como isso era possível?

Não sei por quanto tempo fiquei desacordado, só sabia que tinha mais tempo agora. Ainda estava com os olhos fechados, pensando no que tinha acontecido e sentindo uma terrível dor de cabeça. Devem ter sido aqueles raios. Resolvi despertar para descobrir onde estava.

Estava deitado num palete, no canto de uma sala. Ao começar abrir os olhos, percebi no teto que estava na casa de alguém que construía coisas belas. Havia pássaros, bonecos dançarinos, elefantes em miniaturas, tópteros com diversas formas e cores e diversas outras cópias de seres vivos. Um cheiro de chá de pétala de lótus pairava no ar e perfumava o local. Numa bancada, sentado, estava um anão cujo cabelo e barba sofreram com o avanço do tempo. Ele não pareceu se importar com o meu despertar. Estava concentrado reparando um pequeno boneco.

 

 

“Já que você não come nem bebe, se importaria de me trazer uma xícara de chá?”

Ele disse isso sem se virar, ainda girando sua chave nas costas do pequeno boneco. Ao me levantar foi que percebi que havia partes implantadas em meu corpo. Alguns dispositivos supriam pedaços faltantes no tronco, braço e pernas. Será que foi isso o que me salvou? Havia um jogo de chá cromado numa pequena mesa, uma xícara enfeitada e o vapor subindo do chá quente. Peguei a xícara e levei até ele o chá de pétala de lótus. Embora não tivesse necessidade de comer, o aroma era peculiarmente agradável.

Ele bebia quieto, mexendo em seus brinquedos. Quando terminou, finalmente ele falou.

“Acredito que esteja se perguntando porque te salvei.”

“Exatamente. Quem é você e por que fez isso?”

Fiz a pergunta, mas já sabia a resposta para uma delas. Fui salvo porque aquele anão sentia compaixão. Era altruísta ao ponto de salvar um completo desconhecido à beira da morte.

“Você não parecia estar preparado para morrer. Apesar da ideia louca de procurar ajuda no mercado noturno, você não era alguém que buscava a morte.”

“Isso era verdade.”

“Se tivesse encontrado ajuda no mercado noturno, teria angariado uma dívida que lhe custaria o resto de sua existência.”

“Talvez, mas uma existência em dívida ainda seria melhor do que a inexistência em vida.”

“Uma inexistência em vida?”

“Sim. Aqueles que não sabem seu papel apenas existem deixando o fluxo do éter levá-los aonde quer que seja. Existem, mas no fundo é apenas uma inexistência, pois leva a nada grandioso.”

Ele ficou me encarando com um olhar de reprovação.

“Eu sempre achei que etergênitos apenas se preocupavam com roupas, glamour, festas e ascensão social. Para um ser que conhece seu próprio tempo de vida, se dá bastante importância para questões que assolam as pessoas comuns. Coisas como destino, grandiosidade e objetivo são peculiares daqueles que possuem tempo para alcançar tudo isso. Tempo ou vontade um não existe sem o outro. Todos procuramos sentido nas coisas que realizamos.”

“E quando não se realiza nada, qual sentido será encontrado?”

Por um momento, senti uma onda de piedade vindo daquele anão. Por que aquilo? Ele sentia pena de mim?

“Quanto a isso, não posso te responder e quanto a outra pergunta, quem sou eu, me chamam de Rajish.”

Ele disse seu nome com um belo sorriso entre os dentes. Havia certa quietude naquele velho anão que me deixava desconfortável. Era estranho.

“Sou Braheiin. Como sabia que precisava de ajuda?”

“Meus tópteros patrulham as ruas. Coletam informações que podem ser vendidas. São meus olhos e braços na calada da noite. Graças a eles, consigo manter os homens do Consulado longe do meu dispositivo. Uma vez que ele esteja finalizado, conseguiremos nosso próprio acesso ao éter sem depender do Reservatório do Fluxo do Éter.”

“A ideia parece promissora, mas se todos já têm acesso ao éter por que criar uma fonte alternativa?”

“Por causa do Consulado. O Éter não pertence a eles. Pertence a todo ser vivo em Kaladesh, pois ele é que molda este mundo. Ao controlá-lo, o Consulado controla a todos. Devido à Portaria de Emergência #89-H, o éter está restrito. Medidas de segurança estão sendo tomadas dia após dia. A era das invenções está por um fio.”

De fato, era uma realidade drástica. O Consulado estava confiscando criações, limitando o éter e frustrando ainda mais as pessoas. Construir era tudo para eles. Privá-los disso era o mesmo que a morte.

“Compreendo.”

“Compreende? A vida de um etergênito é um conto de fadas, pois vocês possuem o privilégio de saber o tempo de vida exato. Preocupações como essas não atraem pessoas ricas para suas festas.”

Não esperava por essa resposta. A calmaria de Rajish se transformara num turbilhão. Agora eu sentia revolta e indignação. Mas, estranhamente, era uma indignação justa, porque havia um motivo que o justificava.

Caminhei pelo aposento, quieto e sem responder, admirando o trabalho dele. Havia um toque de classe no velho — tinha que admitir isso — mas também percebi que seus trabalhos eram reflexos da vida. Algo normal entre os Construtores de Vida. Eles sempre procuram replicar o original.

“Você luta por uma causa justa, mas não vejo maquinários pesados por aqui. Na verdade, parece que passa a maior parte do tempo construindo bugigangas.”

“Não construo para guerrear e, sim, para alegrar. Minha intenção não é lutar com força, mas mostrando um caminho há muito esquecido pelo povo. O caminho da satisfação. Essas pequenas criações alegram o coração de diversas crianças. Elas impedem que esqueçamos a alegria que permeia o momento da invenção.”

“Você disse que seu dispositivo estava quase completo. O que lhe falta?”

“Recursos. No mercado noturno você precisa de uma moeda de troca. Existem alguns etergênitos que são quase tão vaidosos quanto Gonti e tentam criar um império de vaidades semelhante ao dele. Tendo a mercadoria certa, eles pagariam em ouro o peso de alguma obra de arte.”

“Sinto que existe um, ‘mas’ nessa entrelinha.”

“Sim, existe. Mas não mancharei minhas mãos me aliando ao sindicato do crime. Eles somente existem porque o Consulado restringe nossa liberdade, uma vez que ela for recuperada, eles não serão mais necessários.”

“E qual seria nossa rota alternativa?”

Ele ficou a pensar um pouco, ponderando e me olhando com um pouco de desconfiança.

“Os Amassadores.”

“Os o que?”

“Os Amassadores se reúnem para uma única razão: colocar seus autômatos para lutar uns com os outros. Existe um local onde eles se encontram toda noite para lutar. O lugar atrai diversos olhares: cidadãos, apostadores, criminosos e ricos entediados. As apostas são altas e, no final, o campeão ganha uma quantia significativa.”

“Essa quantia resolveria seus problemas?”

“Sim, mas essa empreitada está fora de cogitação para mim. Não construo esse tipo de máquinas e aqueles que o fazem apostam seus próprios autômatos nos duelos.”

Orgulho, teimosia e mais um punhado de sentimentos. Os seres orgânicos são realmente estranhos.

“Você não precisa construir, apenas melhorar. Ganhei mais cinco dias de vida graças a algumas peças que você me deu. Trabalhe em mim. Faça o que puder, peças e implantes, e me dê esses quinze dias de vida e lutarei nas arenas por você. Serei seu autômato.”

Para minha surpresa, ele começou a rir. Uma risada rouca.

“Você, lutando nas arenas? Será que posso saber por que isso?”

“Porque quero saber como é a sensação de se ter um propósito maior na vida. Não quero passar aqui vivendo uma inexistência. Há algo mais do que somente festejar e talvez nessas lutas eu encontre isso.”

Rajish ficou perplexo com minha resposta. Até mesmo eu fiquei. Somos conhecidos por apenas desfrutar dos bons momentos da vida. Sacrifícios não estão incluídos em nossos repertórios.

“Está bem. Teremos que conversar com algumas pessoas para ver se aceitarão isso.”

“Oh, acredite-me. Eles aceitarão.”

“E como tem tanta certeza?”

“Porque nenhum inventor aceitaria a ideia de sua criação perdendo para um etergênito aprimorado.”


 

* * * * *

 

Rajish fez o melhor que pôde. Procurou peças com diversos fornecedores e me aprimorou o máximo para que eu resistisse às lutas e tivesse tempo suficiente para a luta final. Assumindo que eu chegasse até a final. Nunca bati em ninguém em minha curta vida e, agora, estava aqui, prestes e enfrentar autômatos construídos para somente lutar.

Que loucura!

Definitivamente, se não achasse um sentido nessas lutas, eu encontraria um belo fim diante de uma grande multidão de expectadores.

Até que a ideia não soava tão estranha assim.

Eu estava pronto. Mal conseguia me reconhecer diante do espelho. Aquela figura raquítica deu lugar a um etergênito que parecia ter nascido para a batalha. Era incrível como que, com as mãos certas, um etergênito conseguia através de melhoramentos força e armas para lutar. Ambas essenciais para se disputar na arena da Liga dos Amassadores.

 

 

A parte que pensei que seria mais difícil, convencer os organizadores, se provou ser a mais fácil. Quando Rajish me levou com ele e apresentou aquela ideia absurda, os jurados foram unânimes em aceitar o desafio. Nada mais alegrava a plateia do que uma novidade como aquela: um etergênito desafiando lutadores.

Kisuke, um anunciador maquiado com um cabelo vermelho e comprido, estava afoito. Aquela atração seria uma novidade e tanto para o público. Ele somente lamentava que todo esse entretenimento duraria apenas uma noite.

Pelo visto, ninguém acreditava que eu durasse mais do que isso.

A primeira rodada de lutas chegou.

Fomos para a Arena dos Amassadores. Um ringue oval, com assentos para umas mil pessoas assistirem autômatos se digladiando. Quando chegamos, uma batalha estava perto do final.

O lugar era um pandemônio!

A multidão urrava, aplaudia, virava o olho, xingava e elevava seu espírito com o espetáculo. Podia-se sentir o chão tremendo com o impacto das lutas e com as pessoas pulando de euforia. Na arena, dois autômatos se entregavam ao delírio da luta. Um deles, o que parecia estar ganhando e tinha partes de tigre, acertou um golpe definitivo no oponente. O oponente cambaleou com o impacto e caiu no chão, perdendo todo o éter nele e caindo desativado.

 

 

Após a queda, seguiu-se o brado da multidão. A luta estava encerrada e somente um restara. Rajish me olhou inquieto.

“Já olhou o quadro de apostas, Braheiin?”

“Ainda não.”

“Dê uma olhada.”

Fomos até onde estava um grupo eufórico. Com notas na mão, um anão anunciava os nomes dos lutadores e dizia os valores. As pessoas ao redor gritavam com os valores de suas quantias e em quem apostavam. Tudo era confusão e balburdia. Aproximei-me, dando a volta no grupo, e cheguei até o painel das apostas. Somente uma pessoa havia apostado em mim: Rajish!

Enquanto olhava aqui, ele se achegou ao meu lado.

“Promissor, não é mesmo?”

“Muito. Será uma verdadeira algazarra quando me verem ganhando. Nada melhor do que surpreender a plateia.”

Os organizadores começaram a chamar os próximos lutadores. Rajish ficaria com outros artífices, observando o espetáculo, enquanto eu me dirigiria à arena pela lateral esquerda. Antes de sair, Rajish me disse: “Não se esqueça de usar bem suas pernas. Elas têm truques novos agora.”

Cheguei à entrada lateral esquerda. Do outro lado, eu via a silhueta de meu oponente. No meio da arena, Kisuke estava no meio da arena, com uma roupa pomposa em tons carmesim, um chapéu na mão, o rosto maquiado e uma bengala energizada que ele usava como microfone também. O apresentador estava em cima de uma miniplataforma flutuante e iluminado por holofotes, falando com fervor ao público.

“Povo de Ghirapur, prestem atenção, pois nessa noite trazemos a vocês algo nunca antes visto em nossa arena. Ao meu lado esquerdo, temos Braheiin, um etergênito aprimorado que decidiu findar a vida não com sua Penúltima Festa, mas sim aqui, conosco!”

Vaias.

Revolta, indignação, repulsa e mais uma série de sentimentos parecidos.

Eles não pareciam muito contentes em me verem ali naquele lugar, lutando para satisfazer o entretenimento deles.

Kisuke continuou as apresentações.

“E, do meu lado direito, temos aquele que sempre inova em sua forma de derrotar seus inimigos. Conhecido por sua versatilidade e também crueldade para com seus inimigos, a Liga dos Amassadores traz para duelar contra o primeiro etergênito lutador, a Maravilha Multiforme!”

 

 

Júbilo.

Aceitação, alegria, excitação, empolgação.

Todos berravam seu nome, gritavam por aquele autômato. A arena veio ao delírio com sua entrada. Todos o adoravam.

A miniplataforma começou a subir deixando Kisuke acima de nossas cabeças.

O duelo começara.

Corri em direção ao meu oponente. Sabia que precisava tomar cuidado com aquele braço que disparava o arpão, então tinha que diminuir a distância entre nós. Ativei minhas pernas. Rajish colocara um propulsor nelas para que meu ponto forte fossem os chutes. Aproximei-me, saltei para acertar um chute certeiro nele.

Um baque e eu voei para o lado.

Levantando-me, olhei e vi o que havia acontecido. O escudo me rebateu. Ele fincara o escudo e o segundo braço no chão para segurar o impacto. Parecia um forte intransponível, porém incapaz de se mover. Esse modo de defesa não permitia que ele se mexesse.

Preparei-me outra vez.

Quando comecei a correr, vi algo vindo em minha direção. O arpão! Ele disparou assim que saiu do modo de defesa. Tentei desviar, mas ele pegou meu ombro. A dor era lancinante. Agarrei o arpão para retirá-lo, mas ao fazê-lo, uma corrente de energia me acertou. Meu corpo estremecia enquanto tentava retirar aquilo do ombro. De repente, senti meu corpo sendo puxado com violência. Ele estava puxando de volta o cabo. Fui tragado para perto dele e quando me aproximei, ele me acertou com o outro braço. O impacto foi tão forte que o arpão se soltou e eu fui parar nas grades da arena.

Mais urras de vitória do público.

Sentia a dor por todo o corpo. Estranhamente, eu me sentia mais vivo do que nunca. A vida de um etergênito, geralmente, é escassa de dor física. Vivemos somente para os prazeres, e aqui estava eu, lutando por um anão que me salvara. Não era minha luta, e sim a dele. Dele? Sim, não estava lutando por mim, estava lutando por ele porque ele desejava fazer algo além. Algo para outros. Ele tinha objetivo maior do que ele.

Um objetivo...

Nesses milésimos de segundos em que pensei tudo, alcancei essa epifania. Seria isso, então? Ter um propósito envolve fazer algo que envolva terceiros?

Não havia tempo para achar a resposta agora. Meu adversário estava vindo em minha direção. Ele tentou me acertar com o escudo. O golpe era forte, porém lento. Abaixei-me, girei o corpo ativando a força das pernas, e o acertei na lateral. Não havia tempo para ele defender com o escudo.

Som de peças trincando.

Ele caiu de lado, tentando se equilibrar com o segundo braço.

Sons de espanto vindo das pessoas.

Meu ombro esquerdo estava dolorido. Não sobrara muita força com o braço esquerdo. Precisava me concentrar em meus chutes. Corri para longe dele. Ele me seguiu com o olhar e preparou o disparo, mas dessa vez estava preparado. Comecei a correr com força total ao redor da arena e dele. Ele não sabia onde atirar nem quando.

Aproveitei a força e a velocidade para saltar de uma parede a outra. Quando fiz o movimento, ele mirou.

O arpão veio. Outro baque.

Mas não foi o som do arpão se cravando em meu corpo. Consegui segura-lo com as mãos. Mesmo assim ele me puxou com toda a força para me acertar outro golpe, porém dessa vez fui em direção a ele pronto para acertá-lo com um chute. Quando ele percebeu o golpe, tentou ativar a defesa. Tarde demais. O chute o acertou no meio do tronco, fazendo-o trincar. Ele cambaleou para trás, tentando se firmar, mas foi inútil, porque seu tórax começou a rachar fazendo com que ele caísse de costas no chão.

Houve um silêncio mórbido, seguido por aclamação.

Vivas, palmas, assovios e tudo quanto é ruído vieram da multidão que estava sem fôlego pelo espetáculo.

Lá de cima, Kisuke falava com empolgação.

“Senhoras e senhores, numa reviravolta e contrariando todas as expectativas, o vencedor dessa noite é o incrível Braheiin!”

Que sensação maravilhosa era aquela. Sentir aquela aceitação, aquela euforia e aclamação de todos. Era embriagante tudo aquilo. Mais uma vez, me senti mais vivo do que nunca. Enquanto saia, alguém me jogou uma rosa púrpura. Peguei-a do chão e levantei a flor, apontando para a plateia.

 

* * * * *

 

Aquele autômato era complicado.

Forte e rápido, ele possuía um braço em forma de pistão. Ainda não sabia exatamente como aquilo funcionava, mas sabia que ia doer se me acertasse. Não importa. Ele precisava ser derrotado, e seria naquela noite. Seria derrotado pelo Cavaleiro das Rosas.

Sim, Cavaleiro das Rosas.

Não contei que esse agora era meu título. Era assim que o público me chamava desde que comecei a lutar com uma rosa púrpura cravada no peito, em lembrança àquela que me deram em minha primeira luta.

Ele estava se preparando. O éter começou a fluir pelo corpo dele, iluminado e criando um campo de energia. Decidi correr pela lateral para evitar ficar de forma direta contra aquilo. Ativei minha propulsão e corri. Sem se mexer nem prestar atenção em mim, ele continuou energizando seu braço esquerdo.

Estranho.

Ele não parecia se importar. Havia algo estranho naquele pistão. Parti para uma investida direta e descobri logo qual era o truque dele. Corri em sua direção para acertar um golpe, mas nunca cheguei a fazê-lo.

De repente, uma rajada de energia se dispersou pelo chão. Houve um som, como de uma explosão, e senti minhas pernas bambas. Não conseguia me firmar. Tive que me apoiar na grade para ficar de pé.


 


 

Ele emitira uma onda de neutralização. Aquele pistão emitia uma onda de choque que me desestabilizou.

Mal conseguia firmar os pés. Indefeso, meu adversário aproveitou a chance e correu até mim. O golpe foi direto na boca do estômago. Senti minhas partes internas se quebrando. Ele girou o braço; tentei aparar, mas ainda estava fraco pela onda de energia. Recebi o golpe na cabeça e caí a uns três metros de distância.

Tudo doía. A cabeça girava e não conseguia ouvir os sons do ambiente. Ele veio até mim e, com o outro braço, começou a desferir diversos golpes em mim.

Parece que minha trajetória estava para chegar ao fim.

Uma memória. Uma conversa.

“Suas lutas estão sendo bem aclamadas, Braheiin.”

“Sim, Rajish. Se continuarmos nesse ritmo, logo você conseguirá o que deseja.”

“E você, conseguirá o que deseja?”

“Ainda não sei ao certo.”

“Descubra o porquê de você estar lutando e talvez encontrará a resposta para seu dilema.”

Por que eu luto? Queria ajudar Rajish. Mas, por que isso era importante? Talvez fosse porque estava pensando em alguém além de mim. Rajish queria ajudar as pessoas e eu queria ajudar Rajish. Ajudando-o, ajudaria a todos. Era esse meu objetivo naquele lugar.

Sim, eu tinha um objetivo agora.

Não, não podia perder. Não parar ali. Tinha que prosseguir.

Em meio a socos e chutes, ajuntei forças e comecei a me erguer. Por um momento, ele ficou surpreso por me ver de pé novamente. Mesmo fraco e debilitado, me coloquei de pé. Não podia perder. Rajish precisava que vencesse.

O Éter.

O éter estava fluindo pelo meu corpo. O que era aquilo? Seria obra do Grande Conduíte? Sentia um renovar de forças e minhas pernas se fixaram novamente. Não sabia o que era aquilo nem porque estava acontecendo, só sabia que precisava vencer.

Perplexo com o que estava acontecendo, o autômato deu um salto para trás se preparando para outra rajada de energia.

Não dessa vez.

Corri e saltei até ele, alcançando o braço dele, que já estava preso no chão quase energizado. Agarrei o braço com todas as minhas forças, tirei do chão e puxei para trás com tudo, arrancando-o fora. Fagulhas azuis saltaram por todos os lados. Ele tentou se recompor, mas antes que isso acontecesse, acertei a cabeça dele com um chute que fez ela voar.

Destruído, o autômato tombou perante mim.

O público me amava. Rosas eram jogadas, palmas, palavras carinhosas e um viva estrondoso enchia os pulmões da multidão.

Naquela noite eu era um deus. Naquele momento, eu era imortal.

Naquela noite, eu tive uma visita inusitada.

Após as lutas, um dos organizadores me levou a um aposento luxuoso. Ele me disse que havia uma pessoa célebre que desejava me ver e me conhecer. Alguém que admirava meu trabalho. Fui conduzido até uma sala ampla, com almofadas com fios dourados, uma mesa preparada com talheres de ouro e vários quadros e obras de arte espalhados pela sala. No centro dela, sentado em uma enorme poltrona que parecia que afundaria de tão fofa que era, estava um etergênito. Um dos bem conhecidos no sindicato do crime.

Saalira, O Apreciador.

 

 

“Aí está você, meu querido. Sente-se, sente-se. Estava ansioso por te conhecer. Você tem provado ser um talento nato. O público o ama, e isso é bom. As apostas estão altas e sua fama atrai mais expectadores.”

“Você não me trouxe aqui apenas para me elogiar. Já ouvi falar de você, Saalira, e conheço sua fama de envolvimento com criminosos.”

“Oh, querido, não fale de forma tão apática. Eu apenas coordeno as coisas para que todos possam ser felizes. O Consulado fica feliz por termos controle aqui, e o mercado noturno continua suas atividades. Como disse, todos ganham.”

“E onde me encaixo nisso tudo?”

“Agora, sabe o que não me deixa feliz? Pessoas que querem mexer com o Consulado. Se o Consulado fica insatisfeito, então ficamos todos insatisfeitos, e não queremos isso, não é?”

“Onde me encaixo nisso?”

Ele se colocou de pé, caminhou até a mesa e pegou uma taça de prata.

“Há rumores de agitadores por aí. Com as portarias restringindo o éter, os rebeldes e sua causa estão eufóricos. Querendo renovação, mudança de governo e toda essa baboseira. Dizem que um grupo de forasteiros está ajudando a filha da infâmia Pia Nalaar a ajuntar os rebeldes. Isso tudo é mau para os negócios. Ainda mais quando são pessoas do nosso próprio círculo, não é?”

“Eu não me interesso por essas coisas. Estou aqui por...”

“Por Rajish. Sim, eu sei. Sabe quais mais boatos eu ouvi? Que os rebeldes estão criando uma forma alternativa de acesso ao éter para que não dependam mais da distribuição do Consulado. Isso acabaria atraindo os olhares das autoridades para nós. Olhares como o do senhor da alocação, Kambal.”

Ele passava o dedo na borda da taça.

“E isso seria muito mau. Muito mau mesmo, meu querido.”

“O que quer de mim?”

“Você é direto, gosto disso. Entregue sua última luta e garantirei que Rajish não seja pego pelo Consulado.”

Um silêncio que pareceu uma eternidade inundou a sala.

“Se eu entregar a luta, ele sairá ileso disso tudo.”

“Certamente.”

“Está feito.”

“Esplêndido! Sua última luta será uma batalha épica. Trarei a você alguém a sua altura.”

“Nenhum autômato está a minha altura agora.”

“Meu querido, não se gabe tanto. Você não é o único etergênito que sabe lutar.”


 

* * * * *

 

Aquela seria minha última luta. Meu último dia de vida. Por mais que Rajish se esforçasse, manter a existência de um etergênito através de reconstruções era trabalhoso e dispendioso. Sem contar os diversos reparos que eram necessários luta após luta. Já sentia o desfragmentar do meu ser, mesmo por baixo dos implantes e acessórios, meu ser se despedaçava.

Minha última luta salvaria a vida de Rajish e, por isso, eu me dava por satisfeito. A minha curiosidade estava em quem eu enfrentaria naquela noite. Procurei por Rajish, mas me disseram que ele teve que sair de última hora. Havia algum problema no hangar onde ele escondia o dispositivo de éter.

“Senhoras e senhores, em nossa rodada final trazemos a vocês o Cavaleiro das Rosas que se manteve invicto nesses últimos combates!”

Aclamações.

“E para agraciá-los nesse embate decisivo, tivemos uma alteração de última hora. A Liga dos Amassadores decidiu trazer uma luta de iguais para provar qual é o etergênito mais poderoso e, a pedido dele próprio, um dos nossos maiores colaboradores, apresento a vocês Saalira, O Apreciador!”

Como assim? Saalira seria meu adversário? Mas como isso? Ele me enfrentaria com aquela forma raquítica?

Somente quando saiu do seu canto escuro e deixou e retirou o capuz que pude perceber que ele recebera aprimoramentos. Lâminas de éter saíam dos braços e o corpo mirrado deu lugar a músculos artificiais.

Mas para que tudo aquilo se a luta fora comprada?


 

 

“Olá, querido.”

“Qual razão disso tudo?”

“Ora, ainda não percebeu? Além de conseguir minha barganha sairei daqui imortalizado como aquele que derrotou o Cavaleiro das Rosas.”

A batalha iniciara.

Ele era muito rápido. Com um salto impulsionado, ele veio em minha direção. O primeiro golpe de suas lâminas passou pelo ombro, esquivei por pouco. O segundo veio na diagonal, numa tentativa de cortar meu busto. Em reflexo, saltei para trás deixando a lâmina cortando o vento.

“Você é rápido mesmo, Cavaleiro. Parece que não eram somente boatos. Rajish deve ter trabalhado bem nessas suas pernas. Porém, precisa ser um pouco mais rápido se quiser perder com glamour.”

Quando ele terminou de dizer aquilo, senti o arranhão no tórax. Embora tenha me esquivado, o vácuo da lâmina fez deixou um arranhão na barriga.

“Você está se empenhando muito para uma luta cujo final já sabemos qual é.”   

“A questão não é saber o final, mas como será visto.”

Saalira queria ganhar, mas não somente isso. Ele queria a glória que conquistei. Derrotando-me, o nome dele seria imortalizado entre os lutadores. Sua influência se expandiria. Tudo não passava de ambição.

Outra investida. Ativei a propulsão das pernas e corri em direção a ele. O primeiro golpe veio pela esquerda, aparei, e consegui agarrar o braço, arremessando seu corpo direto no chão.

Houve um barulho de pedras se quebrando.

Eu o segurava pelo pescoço enquanto travava o braço esquerdo, impedindo de me acertar.

“Diga-me, por que tanto esforço para ganhar essa luta?”

“Porque você me incitou a isso!”

Por alguns segundos, olhei para ele sem entender. Meu devaneio fora quebrado por um chute que veio direto na cabeça. Ele se soltou, e, rapidamente, se pôs de pé.

“O que quer dizer com isso.?”

“Nunca antes ninguém ouvira falar de um etergênito que lutasse por uma causa que não fosse sua. É da nossa natureza nos preocuparmos somente com nossos luxos, mas você foi diferente. Enquanto assistia suas lutas, algo me incomodava. Desejava esse embate para confrontar essa sua resolução. Ver realmente do que você é feito.”

Não fazia ideia de como minhas ações tiveram essa repercussão.

“E cheguei à conclusão que sua determinação não era tão forte assim.”

Aquilo me congelou. Mas o que estava fazendo era por Rajish, por isso entreguei a luta.

Ele correu e saltou. Girando no ar com suas lâminas, ondas de energia saíam delas, vindo em minha direção. Escapei rolando para a lateral, mas quando parei, Saalira estava em cima de mim. Não daria tempo para evitar esse golpe. Peguei impulso e saltei, indo de encontro a ele. Sua lâmina acertou meu peito e meu chute quebrou sua mão direita.

Estávamos em pé, olhando um para o outro. Do meu corte, o éter saía aos poucos. Vapores azuis surgiam às vezes.

“Então é isso. Seu fim está próximo. Quanto tempo ainda tem? Uma ou duas horas?”

Isso não importava agora. Eu perderia de qualquer forma, mas pelo menos Rajish ficaria bem.

“Vamos com isso, Saalira. Já teve seu entretenimento e o público já te viu lutando. Parece que conseguiu o que queria.”

“Você não faz ideia, querido.”

Ele veio. Fingi alguns golpes, lentos o suficiente para que esquivasse. Uma cotovelada na mandíbula e eu recuei. Um chute na lateral e arriei...

Tudo aquilo era por Rajish...

Senti a lâmina sendo cravada dentro de mim. Aquele seria um fim digno, muito melhor do que uma Penúltima Festa. Caí de joelhos. Ainda tinha fôlego e encarava Saalira.

“Foi uma luta e tanto, querido. Conseguimos o que queríamos. Você morrerá por seu amigo e eu cairei nas graças do Consulado.”

Ele deu as costas e me deixou lá, balbuciando palavras.

“Consulado? Co-como assim?”

Ele parou e virou-se.

“Você realmente achou que deixaria seu amigo impune. Nesse exato momento, os policias devem estar lidando com a situação.”

Foi quando me lembrei do rapaz que veio atrás de Rajish alegando que havia problemas no hangar. Uma armadilha. Saalira ganharia a luta, minha honra e ainda sairia como aquele que ajudou o Consulado contra os rebeldes.

“Maldito! O que você fez?!”

“Negócios, querido. São apenas negócios. Nada pessoal, mas o lucro vem em primeiro lugar. Sempre.”

Apoiando-me no chão, tentando achar alguma força para se por de pé, caminhei até ele.

“Você não tem honra. Jamais saberá o que experimentei porque você nada fez para merecer isso. Apenas roubou o momento de alguém.”

“Isso é o que faço de melhor.”

Ele se preparou para dar o golpe final. Então, senti aquela energia percorrendo meu corpo outra vez. Eu sabia exatamente quanto tempo ainda tinha, mas quando sentia o fluir do éter era como se o relógio parasse. Era como se o tempo deixasse de contar. Por instantes, eu me sentia como um ser orgânico, cujo tempo não podia ser medido.

O éter que emanava das feridas começou a forma uma energia. Ao invés de sair e voltar para sua origem, era como se ele estivesse se reciclando dentro de mim.

Meu fim estava próximo, isso era fato. Logo eu me reconectaria com o Grande Conduíte, mas antes disso, ele estava me emprestando sua força.

Cambaleando, comecei a correr. Minhas pernas não me obedeciam mais. Elas apenas seguiam um instinto. Ardiam como se estivessem em chamas. A lâmina veio me rasgando, segurei o braço dele com a lâmina ainda presa ao meu peito. Ele tentava se soltar, mas era inútil.

“Você pode roubar o que quiser, mas jamais poderá roubar o momento de alguém.”

“Solte-me, idiota!”

Segurando, usei todas as forças que me restavam e saltei. Saltei até o cume da arena e descemos. O éter emanava sendo expelido pelo meu corpo.

Grande Conduíte, me dê forças!

Descemos com força total e antes do impacto, larguei Saalira, deixando com que ele se espatifasse no chão enquanto eu caía perto das grades. A plateia ficou em silêncio por um momento, mas quando me viram rastejando para tentar me por de pé, o barulho retornou. Sem me importar com tudo aquilo, usei uns minutos restantes que me sobravam e parti para encontrar Rajish.

Meu corpo já estava se despedaçando por completo. Quando cheguei ao hangar, nada pôde ser salvo. As chamas estavam terminando de devorá-lo. Algumas testemunhas disseram que ninguém escapou de lá dentro. O Consulado conseguira exterminar o sonho de uma pessoa cujo intuito sempre fora trazer a liberdade de volta para a população.

Nos meus últimos instantes de vida, eu compreendi, Rajish. Inexistência não era não ter pelo o que lutar. Lutar por algo era fácil. O sentido se perdia quando não se tinha mais por quem lutar... ah, sim, quando se perdia a pessoa pela qual você lutava era que seu sentido se perdia e assim... assim, a existência perdia seu sentido e somente uma inexistência tomava conta do ser.

 

 

Leandro Dantes ( Arconte)
Leandro conheceu o Magic em 1998 e, desde então, se apaixonou pelo Lore do jogo. Após retornar a jogar em 2008, se interessou por lendas, o que resultou por despertar a paixão pela escrita. Sempre foi mais colecionador do que jogador e sua graduação em Pedagogia pela Ufscar cooperou para que ele aprimorasse e desenvolvesse um estilo próprio. Autor de alguns contos, todos relacionados ao Magic, já traduziu o livro de Invasão e criou sua própria saga com seu personagem, conhecido como Arconte.
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Comentários
Ops! Você precisa estar logado para postar comentários.
(Quote)
- 01/01/2019 11:01:50
Perfeito.
(Quote)
- 31/12/2018 00:59:46
Muito bom. Gostei muito de ler.
(Quote)
- 30/12/2018 22:33:01

Sim, foi autoral. De Ravnica basta acompanhar no site e agora tem o livro contando a trama.

(Quote)
- 30/12/2018 22:29:38

Esse conto foi ficticio seu?

Eu estava falando dos contos, por exemplo, de Ravnica agora. Pois a maioria dos jogadores nunca sabem ao certo o que esta acontecendo na história.

(Quote)
- 30/12/2018 20:49:02

Você quer um Lore contando o atual, mas no caso, seria ficção minha certo? Porque não tem como saber essas coisas, salvo quando sai alguma coisa oficial da Wizard.

Sobre o Lore da Yahenni o que temos dele e Gonti está aqui na liga.

https://www.ligamagic.com.br/?view=artigos/home&autor=sadysaneto&page=6

Até o momento é o Lore atual dos personagens até o retorno a Kaladesh

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