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[Lore] O Orgulho do Kraul
 [Lore] O Orgulho do Kraul
Alysteran

Esquilo
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Posts: 96
Registro: 19/10/15

Postado em: 18/10/17 19:54
Olá, pessoal

Hoje trago para vocês uma tradução do conto "Pride of the Kraul", da Alison Luhrs, que tem publicado algumas histórias bem interessantes no Magic Story, sendo uma delas aquela em que [OLHA O SPOILER DE HORA DA DEVASTAÇÃO, cuidado se ainda não leu] a Lili faz uma massa de zumbis comer o demônio. Acho os contos dela bem divertidos, mas muito do humor se perde na tradução, então recomendo o texto original a todos os que tiverem facilidade em ler em inglês.

Até mais!

Alysteran
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Vejam outros artigos traduzidos em: Índice de Artigos Traduzidos.

Vejam mais sobre a história de Magic: the Gathering em Storyline.
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O ORGULHO DO KRAUL
Texto original em inglês: PRIDE OF THE KRAUL
Publicado em Magic Story em 21 de maio de 2017

Por Alison Luhrs

Os kraul são uma raça insetóide leal aos Golgari de Ravnica. Eles só declararam sua obediência recentemente, depois de séculos vivendo sem guilda nos arredores do Submundo. Apesar de sua ligação oficial com os Golgari, os kraul não são tratados como iguais por aqueles da alta hierarquia da guilda. Mazirek, sacerdote da morte e líder dos kraul, recusa-se a deixar para lá enquanto seu povo é rotineiramente ignorado pelo Mestre de Guilda Jarad e outros do tipo.

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A Sede da Guilda Golgari era uma catedral subterrânea em arcos, rodeada por um labirinto circular imenso coberto por vegetação e formado por cercas vivas fúngicas, ruínas incrustradas de musgo. Conhecido como Korozda, o Labirinto da Degeneração, a estrutura agigantava-se, uma sombra imposta sobre a semiescuridão do Submundo. Em seu centro ficava a catedral propriamente dita – Svogthos. Os Habitantes de Cima sussurravam sobre como a catedral fora bonita, uma vez que seus arcos curvos e torres de pedra reluziam com obsidiana e prata em dias idos. Mas o desgaste dos séculos a deixara fria e úmida, seu ar pesado com o cheiro de mofo e terra.

Os Habitantes de Baixo sabiam que ela nunca havia deixado de ser bela.

Sobeslav, assistente do Líder de Guilda Jarad, sentou-se no almofadado conforto da Sede da Guilda. Sua mesa era anexa à de Jarad vod Savo, que usualmente poderia ser encontrado andando pelo labirinto lá fora, evitando o olhar do público. Liches não faziam o tipo social.

Sobeslav entendia isso e geralmente achava melhor deixar seu mestre para lá enquanto lidava com assuntos de estado. Neste momento, ele estava trabalhando em uma pilha de cartas sobre um cogumelo brilhante que servia como mesa. Seus olhos élficos (encobertos pelo capuz, cansados e um tanto distantes demais) examinaram as notícias de Cima, e ele resmungou do mau encaminhamento dado aos assuntos dos lugares bem-iluminados da cidade. Tumultos Gruul. Encobrimento da comunicação entre os Orzhov e os Azorius. Os Golgari terem ficado quietos no submundo foi o melhor a se fazer – acontecimentos infelizes estavam a caminho agora que o Pacto das Guildas podia andar e falar e levantar e sair por aí.

Quando terminou de lê-los, o elfo jogou os boletins na pilha de podridão ao fundo de sua sala. Os vermes tinham mais uso para aquelas notícias do que ele.

Uma carta no fundo da pilha chamou a atenção de Sobeslav.

Ela estava escrita em um papel bem feito e cheirava delicadamente a musgo. Um brilhante selo negro estampava a frente. Preso à fita do fecho estava um único cogumelo.

Estranho.

Sobeslav colocou o cogumelo de lado e abriu a carta com cuidado. A tinta que fora usada para escrever era requintada, mas a caligrafia era uma confusão de riscos e manchas incompreensíveis.

Depois de um momento, Sobeslav entendeu o que era aquilo.

Era um convite.

Para Jarad.

De Mazirek dos kraul.

Sobeslav soltou uma gargalhada.

Ele amassou o papel e o jogou no poço de imundície no canto de seu escritório.

A carta aterrissou com um barulho suave.

Sobeslav abafou um riso. Que incômodo! Ninguém fora os kraul se importava muito com os kraul. Por que deveriam? Os kraul eram uma adição recente aos Golgari. Por séculos, eles haviam sido uma massa de insetóides brutos sem guilda. Eles viviam às margens da sociedade e só recentemente tinham declarado obediência ao Enxame Golgari. Nunca recusando a oportunidade de alistar mais membros, os Golgari aceitaram o pedido, e os kraul agora serviam como trabalhadores. Os Golgari não ligavam muito para hierarquia, mas até eles sabiam que os kraul não tinham lá muito impacto no resto da guilda.

Por que raios os kraul achavam que seu líder de guilda aceitaria o chamado de um sacerdote da morte novato e com tão pouca influência?

Sobeslav fitou a carta amassada pensando rapidamente a respeito.

O convite estava suficientemente fora de lugar para justificar uma investigação . . . certo? E certamente Jarad elogiaria sua iniciativa se fosse ele a descobrir algumas notícias ultrajantes logo dos kraul.

Sobeslav apertou os olhos e soou uma campainha em sua mesa. Um atendente colocou a cabeça para dentro, aguardando instruções.

"Reúna quinze membros da guarda", Sobeslav disse. Talvez os kraul aprendam em breve algo a respeito do verdadeiro poder dos Golgari.

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O cogumelo anexado à carta tinha como propósito informar uma localização. Era um jeito rudimentar, porém acurado, de comunicar o local de encontro entre os Golgari. Os sistemas de fungos espalhavam-se por toda a guilda, é claro, e uma ramificação de micélio poderia alcançar milhares de braças. Uma magia simples podia ser usada para interpretar a localização através desses ecossistemas de fungos e lodo, e praticamente todos os Golgari percebiam a intenção quando recebiam um cogumelo estranho.

Sobeslav executou o feitiço e ouviu o bosque de cogumelos cantar para ele a três dias de viagem para baixo e para longe. Ele suspirou.

Os suprimentos de viagem foram reunidos e as cordas foram preparadas. Sua jornada os levaria para um lugar muito longe e muito profundo. O Submundo era praticamente interminável, mas os Golgari eram espertos o suficiente para não construírem suas cidades e suas casas em locais que os de Baixo não tolerassem sua presença.

O lugar ao qual Mazirek queria que ele fosse estava muito além disso.

Depois de reunidos, Sobeslav e o pequeno grupo de guardas Golgari começaram sua viagem e sua descida.



O trajeto para o bosque de cogumelos levou Sobeslav e seus guardas através de cavernas e fendas, sob uma profunda cachoeira e por milhas e milhas de campos de podridão desolados. O caminho o levou para longe e então para mais longe ainda, para locais mais profundos do que qualquer um do grupo já estivera.

Os campos de podridão se transformaram em esgotos, que se transformaram em rocha bruta. Os Golgari eram poderosos e antigos, mas não eram estúpidos o bastante para cavar onde não deveriam.

Conforme seguiam as indicações da magia do cogumelo, Sobeslav deixou a mente vagar. Sua rejeição inicial ao convite tinha se transformado em uma semente de temor, que germinou conforme ele prosseguia a viagem. Afinal de contas, Mazirek era um sacerdote da morte. Os costumes dos insetos eram bastante estranhos a Sobeslav. Por natureza, eles eram diferentes, e difíceis de entender. Enquanto os Golgari tinham orgulho em nunca recusar os marginalizados e oprimidos, Sobeslav não pôde evitar se sentir cauteloso quanto ao que os kraul queriam. Eles eram novos na guilda, afinal. Talvez eles ainda mantivessem a selvageria dos sem guilda.

Será que eles ficariam irritados quando Sobeslav chegassem no lugar do mestre de guilda?

Sobeslav balançou a cabeça, reunindo força e orgulho em seu coração. Era isso mesmo que eles deveriam ter esperado. Eles precisavam fazer a sua parte antes de falar com o grande lich Jarad von Savo.

Enquanto isso, a jornada continuava, sempre para baixo. Algumas vezes, eles baixavam uns aos outros com as cordas, ocasionalmente encolhendo os peitos e se espremendo entre as rochas. Em uma tarde, passaram por uma caverna de cristais imensos que se erguiam sobre eles como fariam as árvores da superfície. O ar desta caverna era quente demais para respirar, mas eles continuaram em frente mesmo assim. A viagem havia alimentado a curiosidade de Sobeslav, que só crescia conforme a paisagem tornava-se mais estranha. Onde é que esse sacerdote da morte residia? O que é que o sacerdote da morte queria? Na terceira manhã da jornada, Sobeslav mandou seus guardas pararem. Ele verificou o feitiço no cogumelo de Mazirek e assentiu. Eles pararam em uma grande caverna estranha e morna. A magia de Sobeslav parecia indicar esse lugar.

Ele cheirou e sentiu os arredores, seus olhos penetrando a escuridão.

Ali, à sua esquerda.

A fenda não havia sido notada num primeiro momento.

Uma estreita rachadura na parede, com teias de fios leves e delicados sobre a entrada.

Sobeslav podia senti-lo. Um acorde longínquo, e há muito morto, de magia necromântica vinha por aquele caminho. Antigo e distante.

Ele estremeceu. Só podia ser o sacerdote da morte dos kraul.

Sobeslav chamou o resto dos guardas, usando um rápido pulso de poder para criar cordas simples entre si mesmo e os outros. A magia das cavernas era dolorosa e abrasiva, duradoura, mas difícil de dominar. Sobeslav nunca se importara em aprender os feitiços de enfraquecimento como o resto da guilda. Sua magia era mais de sobrevivência.

Sobeslav entrou primeiro, iluminando o caminho com um feitiço de caverna que acendia as fendas e atenuava os cantos afiados. As barreiras de pedra ao redor deles foram contornadas pelo brilho de sua mágica. Os apoios e as bordas destacaram-se com seu feitiço, e o grupo desceu ainda mais.

As paredes ficaram mais próximas conforme o oxigênio rareava. Sobeslav exalou o tanto que conseguiu e começou a andar de lado pela fenda. Alguém atrás dele puxou as amarras de sua magia, e Sobeslav puxou para a frente. Agora estavam quase lá. Não havia tempo para claustrofobia.

A saída da fenda esmagadora apresentava-se em frente a Sobeslav como duas linhas paralelas. Ele empurrou-se para frente e tropeçou no solo rijo. Os outros guardas foram logo atrás.

Sobeslav ergueu-se, ajustando-se ao ar seco, o nariz captando um suave cheiro almiscarado que permeava o espaço. No chão, uma macia camada de bolor amarelo e membranoso cobria a pedra sob seus pés.

Sobeslav conjurou outro feitiço de iluminação, sendo este uma mágica mais genérica para iluminar o ar acima e ao redor deles. Era como se montículos de poeira flutuassem no ar, emitindo uma luz fraca, suave o suficiente para dar aos olhos tempo para se acostumarem. Quando completou o feitiço, uma leve dor de cabeça atingiu sua têmpora. Ele franziu o cenho – fazia algum tempo que não empregava tanta energia mágica, mas não sabia que estava tão enferrujado.

No distante fundo do aposento, uma enorme laje esculpida se erguia diante do grupo de elfos Golgari. Quartzo brilhante pontuava a laje, e delicados entalhes adornavam a pedra em dois lados. Se esta rocha tivesse sido encontrada em Cima, poderia ser confundida como parte de uma mansão oligárquica, mas aqui, abaixo da superfície, ela evocava um passado distante e esquecido.

No topo da laje, uma única sentença, profundamente gravada na brilhante pedra negra, marcava o trabalho em pedra.

Os elfos não tiveram tempo de lê-la.

Algo estava . . . zumbindo.

Sobeslav incitou os montículos iluminados a se erguerem, e, conforme subiam no ar, centenas de pequenas silhuetas insetóides ficaram visíveis.

Um dos guardas caiu para trás de surpresa. Os outros congelaram onde estavam. Sobeslav sentiu a dor de cabeça se espalhar conforme seus olhos captavam o pesadelo diante de si.

Ali, pendurados no teto, esperando por sua chegada, estavam os kraul.

Houve uma ligeira movimentação entre as fileiras e mais fileiras de insetos. Um zunido de asas. Uma forma maciça caiu do teto e pousou no chão do recinto com um som de lodo sendo esmagado pelo impacto. E quando ele se levantou, um par de olhos complexos olhou diretamente para Sobeslav com total desdém.



Mazirek abriu e fechou suas mandíbulas e se ergueu em toda sua altura. Até para os padrões dos kraul, ele era imenso.

"Eu convidei Jarad vod Savo, e ao invés disso recebo seu cãozinho de estimação." Sobeslav encolheu-se com a mistura de cliques e consoantes, a língua comum de Ravnica estranha e mutilada pelas mandíbulas de Mazirek.

Sobeslav engoliu em seco e abaixou seus montículos de iluminação, deixando o teto no escuro para melhor iluminar o sacerdote da morte à sua frente. Sua têmpora latejava, e ele apertou os olhos tanto para ver quanto para se focar no enorme inseto.

"Eu sou assistente do Mestre de Guilda Jarad vod Savo, Mazirek. O mestre de guilda estava indisposto e me enviou em seu lugar. De que assunto deseja tratar para se dirigir à guilda?"

Mazirek apertou seu bordão. Suas articulações estalaram umas contra as outras, e suas asas zuniram um tremor de irritação.

Mazirek deu um passo em direção a Sobeslav, que cambaleou meio-passo para trás.

"Diga-me, Sobeslav", ele disse, "o que os Golgari pensam dos kraul?"

Uma onda sonora, semelhante ao grito de infinitas cigarras, veio do teto. Sobeslav compreendeu que os kraul estavam rindo. Sua dor de cabeça agora o perfurava como punhais de enxaqueca, e ele engoliu um gemido de dor.

"Os kraul são . . . operários. Trabalhadores. Eles trabalham nos campos de podridão e na manutenção dos esgotos. Eles são novos na guilda, e devem fazer sua parte."

"E isso é tudo?", Mazirek perguntou.

Sobeslav tinha a sensação de que não era.

Uma risada sibilou de dentro do sacerdote da morte e saiu como um guincho por sua garganta. O riso subiu pela caverna até os kraul acima.

Sobeslav começou a suar. Flashes de luz dançavam em seus olhos, e sua mente recuou em agonia. Os infinitos zangões kraul acima dele eram insuportáveis, e os gritos de risada kraul enviaram uma dança pavorosa por seus ossos.

Um repentino baque suave soou atrás de Sobeslav. Um dos elfos Golgari tinha ido ao chão, seus membros se debatendo em convulsões. Sobeslav praguejou e olhou furioso para Mazirek.

"Nós somos da mesma guilda! Nós vamos retaliar se você continuar atacando um de nossos guardas."

"Eu acho que não vão, não."

Os olhos de outra guarda rolaram e ela caiu no chão. Um fio de espuma pingava de sua boca.

Sobeslav sentiu uma dor aterradora em seu flanco direito.

Mazirek imitou o barulho de um resmungo o melhor que um kraul conseguia. "Seu fígado tem lhe causado problemas?"

Um terceiro guarda caiu. Sobeslav fez uma careta de dor.

"O que é isso? Nós respondemos o seu chamado e viemos–"

O elfo caiu de joelhos com a dor. Mazirek agachou-se perto do chão, as mandíbulas estalando nas orelhas do elfo. "Meu povo deseja um lugar à mesa. Renovação é uma constante, Sobeslav. E, como você sabe, às vezes a morte é necessária."

Sobeslav rosnou através da dor. "Eu não vou deixá-lo me matar, kraul."

Mazirek inclinou-se mais perto. "Eu estou matando tanto você quanto seus guardas ao longo dos últimos três minutos, um pedaço do seu cérebro por vez."

Sobeslav teria tentado atacar, mas naquele momento um de seus rins cedeu. Um quarto guarda colapsou. Sobeslav percebeu, com os pedaços restantes de seu cérebro, que Mazirek o estava guardando para o final.

O sacerdote da morte ergueu-se em toda sua altura.

"Além disso", Mazirek disse distraidamente, "eu preciso de uma morte para abrir a porta."

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Vraska colocou uma colher cheia de açúcar em sua xícara. Ela estava em seus aposentos em frente a Mazirek, que sentava-se confortavelmente sobre as almofadas à sua frente. A górgona estava preparando chá preto – uma iguaria que o sacerdote da morte tinha acabado de aprender a apreciar.

"Os kraul só funcionam graças a um único líder da colmeia. Eu já nasci com este dever." Ele falava com estalos e zumbidos intercalados. Era o melhor que as mandíbulas kraul de Mazirek podiam fazer com a língua comum de Ravnica. Ele estava seguro aqui. Vraska nunca escarneceria ou censuraria seu amigo.

A górgona observou com interesse enquanto Mazirek falava sobre sua posição. "Você já se sentiu intimidado por esta responsabilidade?"

Ela colocou nada menos do que oito colheres de chá de açúcar na xícara e entregou-a a Mazirek. Ele aceitou com um gorjeio de agradecimento.

Mazirek mergulhou as mandíbulas no chá. Ele mexeu o maxilar de um lado a outro, sorvendo o chá com uma elegância reservada apenas para companhia não-kraul, e abaixou a xícara. Ele enganchou os membros superiores enquanto pensava. "Eu passei toda minha vida aprendendo nossas tradições e treinando para me tornar sacerdote da morte. Quando a hora chegou e eu fui chamado, estava pronto para me tornar líder de meu povo. Nenhum outro kraul possui os talentos que eu carrego."

"Eu fui chamada de egoísta por ter a mesma determinação", Vraska comentou com um sorriso de compreensão.

Mazirek deixou escapar um suspiro e um pequeno e ressonante chiado de confusão. Ele olhou para sua amiga.

"Os kraul não têm esse conceito de ‘egoísmo’. Orgulho é irrelevante dentro do coletivo da colmeia." Mazirek iniciou sua sentença seguinte com um estalido de confusão.

"Qual é a função do orgulho?"

Vraska colocou a xícara sobre o pires e pensou. Ela suspirou e respirou fundo, tentando dar forma a seus pensamentos. Até que encontrou a resposta.

"Ao longo de minha vida, muitos cometeram o erro de não me levarem a sério, seja como profissional ou como uma ameaça." Vraska dobrou as mãos diante de si, e as espirais de seu cabelo moldaram seu rosto com um movimento suave.

Ela olhou para Mazirek com honestidade em seus olhos dourados.

"Se for para me tratarem com desrespeito, então eu devo amar a mim mesma primeiro com uma ferocidade que nenhum tolo poderá tirar de mim."


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Mazirek guardava como um tesouro a lembrança dessa conversa. Orgulho era um conceito estranho aos kraul, mas depois de aprender o seu propósito, ele compreendeu. Ele era capaz de coisas inacreditáveis, e nem uma montanha de ignorância Golgari mudaria isso. Foi por esta lição que Mazirek confiava em Vraska com sua vida. Ele tinha encontrado a górgona pela primeira vez muitos anos antes, enquanto dava assistência aos assassinos de Ochran. Mazirek havia oferecido bênçãos e encantamentos aos assassinos que pediram, e Vraska foi a única que iniciara uma conversa. Os dois começaram a se encontrar regularmente depois disso para discutir teologia e política, e a amizade deles tinha se provado enriquecedora com o passar dos anos.

Mazirek sentiu orgulho enquanto matava Sobeslav célula por célula.

O elfo gritou por um minuto inteiro quando seu pâncreas parou.

O sacerdote da morte ergueu seu bordão e chamou o resto dos kraul para iniciarem seu cântico. Ele falou na língua dos kraul; um idioma sem humanidade, uma série de zumbidos e estalos que não eram adequados aos lábios humanóides.

Os kraul responderam com um cântico, e Mazirek iniciou seu feitiço.

Para ouvidos não familiares, o cântico soava como uma enorme máquina deslocando-se e chiando de forma ritmada. Para Mazirek, ele ecoava com o poder de todo um milênio, uma prece de poder reconquistado, o preâmbulo de um império esperando para ser construído.

Mazirek guiou o cântico com paixão e teceu a magia em cada nota cantada. O lodo aos seus pés despertou, e a grade iluminou-se com as almas daqueles que há pouco foram mortos. Conforme mais guardas caíam e morriam, mais forte o feitiço ficava. Enquanto isso Mazirek estendia seu alcance e reunia o poder que ressoava com cada alma caída, ceifando sua força e canalizando-a para seu bordão. Seu feitiço estava quase completo.

Sobeslav contorcia-se e gemia, seu corpo o traía conforme mais órgãos morriam pouco a pouco. Seus olhos quase incoerentes fixavam Mazirek inexpressivos, seu rosto torcido em um fraco pedido de misericórdia. Mazirek manteve vivas as partes de seu cérebro que detectavam dor, cantando com ênfase chocante, cheia de orgulho.

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Os aposentos de Vraska eram aconchegantes. Eram uma curiosa cabine-transformada-em-quarto, com cada centímetro das paredes coberto de bugigangas requintadas e objetos completamente estranhos. As cores e a variedade em todos os lugares eram opressivas para seus olhos complexos, mas eventualmente ele se acostumou com o efeito. Era um local acolhedor, a toca de um viajante. Sobre a cozinha estava um estandarte violeta escuro. Um pote de cerâmica com ondas negras pintadas ao longo da borda figurava na estante. Dezenas de pequenos pássaros de papel amarrados em fitas atravessavam o teto. A sensação era calmante e cativante; aproveitar um chá nos aposentos de Vraska era como se sentar em uma sala de museu.

Mazirek caminhou pela sala de estar de Vraska. Ele estava furioso com outra determinação do mestre da guilda.

"Jarad e os outros elfos não poderiam se importar menos com os kraul. Ele cortou nossa porção de comida, ignorou todas as nossas ofertas de aconselhamento. Ele preferiria nos deixar morrer de fome a nos dar alguma influência sobre o Enxame Golgari. Nossa nova fidelidade não tem nenhum valor aos olhos deles."

Vraska observou Mazirek atentamente enquanto ele falava. Ela inclinou o corpo para a frente.

"Mazirek, você não está sozinho em como se sente. Os kraul, as górgonas, nós todos não temos sido vistos nem ouvidos por tempo demais."

Mazirek estalou as mandíbulas de frustração. "A mudança de que precisamos só virá com uma guerra. Mas um conflito desses teria um custo grande demais para o meu povo."

"Mas e se houver um jeito de fazer isso sem derramamento de sangue?", Vraska perguntou.

Mazirek olhou fixamente para ela.

Vraska tomou um gole de seu copo. Ela sorriu e ergueu os ombros de forma estranha. "Há muitas formas de trazer mudanças sem derramar sangue."


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Mazirek cessou seu canto. Os kraul acima sentiram seus feromônios e deslizaram ao chão para se juntar a ele.

Sobeslav ainda estava vivo. Ele ofegou com um único pulmão, olhos incapazes de se focar.

Mazirek inclinou o corpo e colocou seu bordão sobre a cabeça do elfo.

Uma única sentença escapou dos lábios do elfo. "Um kraul não pode liderar os Golgari."

Mazirek ergueu a cabeça e estalou as mandíbulas. "Você está certo. E eu não farei isso."

A ponta de seu bordão moveu-se para trás do pescoço de Sobeslav.

"Mas eu sei quem irá. E você vai me ajudar a conseguir os meios para sua ascensão."

O último surto de poder. O suspiro trêmulo do sacrifício. Os olhos de Sobeslav se arregalaram quando seu tronco encefálico subitamente se decompôs.

O elfo que fora Sobeslav caiu de bruços aos pés do sacerdote da morte.

As asas de Mazirek zumbiram de satisfação, e ele puxou a força do corpo do elfo moribundo para o bordão.

Os kraul ao seu redor aplaudiram e começaram um coro de encorajamento.

Mazirek inalou de um golpe e concentrou-se na laje de obsidiana à sua frente.

Ele apertou o bordão com sua mão do meio, enfiou as pernas na grade de lodo sob si e puxou para cima com seu poder. Através das fibras do musgo e dos fungos a seus pés, ele puxou, e uma corrente de poder necromântico se moveu em sua direção. O poder de dezesseis almas frescas o aqueceu dos pés à cabeça, e Mazirek conjurou um rápido feitiço em sua mente, convertendo a morte que puxava do lodo abaixo em energia cinética, combinando-a à morte vibrante que acabara de ceifar.

Ele apertou os dois lados da laje de pedra e empurrou para o lado.

Ele queria que o mestre de guilda presenciasse isso, para sofrer com o desfecho enquanto os kraul reivindicavam este imenso poder.

Mas a hora de Jarad chegaria em breve.

Um sopro de vento o atingiu quando o selo da laje foi rompido. O interior da câmara estava escuro como breu.

Ele pode sentir imediatamente que o mausoléu era antigo. O lugar tinha o cheiro de muitos séculos.

Os kraul atrás dele se aglomeraram e espiaram a câmara.

Em frente a eles estava uma caverna tão grande que eles não conseguiam sentir suas paredes, e por todo o chão do mausoléu, posicionados como soldados em formação de batalha, encontravam-se esquifes de pedra. O teto dourado era majestoso e ornamentado, e pintado para causar a impressão de que era possível ver o céu acima. Tudo naquele lugar evocava riqueza e poder imensos e ancestrais.

Quando pisou no mausoléu, uma corrente de mágica vibrou pelas pedras. Mazirek sentiu que havia desencadeado um feitiço antigo, e observou com satisfação como cada um dos esquifes começou a se abrir.

Mãos delicadas, cobertas de renda e belos anéis, removeram as tampas de seus próprios caixões, e os mortos-vivos começaram a se erguer por conta própria, exatamente como Vraska tinha dito que fariam.

As asas de Mazirek zumbiram de orgulho.

Um zangão kraul moveu-se para perto dele com uma pergunta em seu cheiro.

"Como eles são chamados?", ela perguntou em kraul.

Mazirek aprumou-se, o bordão varrendo o ar em um grande gesto em direção ao exército que se erguia à sua frente. "Contemple, criança: Umerilek, o Mausoléu de Erstwhile, a salvação dos kraul e a chave para a criação do império Golgari."


Editada em: 20-10-17 14:57:50 por Teddy_Bear_X.
(Imagens)

Editada em: 15-11-17 14:24:26 por Alysteran.
 
Skorpio

Esquilo
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Postado em: 18/10/17 23:37
Muito legal. O lore é minha parte favorita do Magic e Ravnica um dos meus planos favoritos.
Excelente trabalho! Obrigado.
 
DonnieDarko

Coelho
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Postado em: 19/10/17 09:55
Opa, muito legal Aly!

Já tínhamos os comentários em vídeos do Seiz na Storyline, agora a postagem conta também com sua traduação.

Muito obrigado! Boas leituras a todos! o/
 
Alysteran

Esquilo
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Postado em: 20/10/17 14:34
Obrigada novamente, DonnieDarko.
Aliás, alguém sabe me dizer como redimensionar as imagens? Está ruim de ler o início e eu não tinha reparado quando postei.
Tentei os códigos:
[img width={width} height={height}]{url}[/img]
e
[img={width}x{height}]{url}[/img]
Mas não funcionou. :/
 
Teddy_Bear_X

Demônio
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Postado em: 20/10/17 14:59

Essas tags não funcionam, infelizmente. Eu ajeitei elas com outras que peguei na internet, mas quando quiser postar num tamanho exato, tem que fazer o upload delas em algum outro site (tipo imgur) e linkar aqui.

Aliás, ótimo trabalho com o texto =)

 
davidbaron

Esquilo
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Postado em: 20/10/17 23:01
Mais uma tradução excelente e uma excelente contribuição para aqueles que não conhecem os lores mais antigos devido à barreira da língua.
 
Blackanof

Esquilo
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Postado em: 21/10/17 14:30
@DonnieDarko
Instala o whatsapp. Ajuda a gente.
 
Alysteran

Esquilo
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Postado em: 23/10/17 03:51

Muito obrigada, Teddy_Bear_X! :)

 
DonnieDarko

Coelho
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Postado em: 24/10/17 09:18

Rs! Muita paciência comigo, brother! =]